Retenção indevida de salários dos consumidores pelos bancos - prática
ilegal.
Caráter alimentar do salário garante
a sua impenhorabilidade.
Já faz algum tempo que realizar empréstimo junto às
instituições financeiras se tornou prática comum. No contrato ficam combinadas
todas as condições de pagamento, com todos os encargos incidentes, tendo o
consumidor conhecimento de que o atraso no pagamento mensal da parcela enseja
juros de mora.
Contudo, por circunstâncias alheias à vontade do
consumidor (gastos extras com imprevistos), muitas vezes não tem condições de
pagar a parcela do empréstimo até o dia do vencimento, tendo que aguardar o
recebimento do seu próximo salário para quitá-la.
Quanto ao salário, importante destacar que alguns
empregadores optam por depositar o pagamento em uma conta salário ou mesmo em
conta corrente pessoal, o que em vez de facilitar muitas vezes prejudica o
empregado.
Isso porque além de ser credor do contrato de
empréstimo, o banco é o mesmo onde o devedor/consumidor possui a conta na qual
o salário é depositado, agindo os bancos com arbitrariedade ao reterem
integralmente o salário para pagamento da dívida, sem qualquer permissão do
consumidor.
Realmente a dívida com o banco
existe, mas, ainda que devedor, o consumidor/devedor não pode ser privado de
todo o seu salário para saldar o empréstimo, ficando sem o indispensável para
sua própria sobrevivência.
Nesse sentido, o ordenamento
jurídico brasileiro reconhece ao salário natureza alimentar, sendo uma verba
impenhorável, segundo art. 649, inciso IV, do Código
de Processo Civil. Vejamos:
Art. 649: São absolutamente
impenhoráveis:
IV - os vencimentos, subsídios,
soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e
montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao
sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os
honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo.
Outrossim, o art. 7º,
inciso X, da Constituição Federal determina ser
direito básico do trabalhador a proteção do salário:
Art. 7º São direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social:
X - proteção do salário na
forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
Por isso, o caráter alimentar do salário impede que
o mesmo seja retido ou penhorado, pois é por meio do salário que o cidadão se
mantém e sustenta sua família, podendo quitar os compromissos cotidianos.
As normas supracitadas refletem
a teoria adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, a de proteção
ao patrimônio mínimo, segundo a qual se deve assegurar a todos, inclusive aos
devedores, o essencial necessário à sobrevivência digna.
Nesse sentido é o entendimento pacífico dos
tribunais, em especial do Superior Tribunal de Justiça, que salientam ser a
apropriação de salário de correntista pelas instituições financeiras, mesmo que
para pagamento de parcelas inadimplidas de empréstimo, arbitrária e ilegal.
Seguem algumas jurisprudências:
CONTRATO BANCÁRIO - RETENÇÃO DE
SALÁRIO - Descabimento - O caráter alimentar do salário impede que seja retido
ou penhorado - Aplicação do disposto no. Art. 7o,
inciso X, da Constituição Federal e do art. 649, inciso IV, do Código
de Processo Civil - Decisão reformada - Recurso provido.
(TJ-SP 3678548920108260000 SP,
Relator: Carlos Lopes, Data de Julgamento: 14/12/2010, 18ª Câmara de Direito
Privado, Data de Publicação: 05/01/2011)
BANCO. Cobrança. Apropriação de
depósitos do devedor. O banco não pode apropriar-se da integralidade dos
depósitos feitos a título de salários na conta do seu cliente, para cobrar
débito decorrente de contrato bancário, ainda que para isso haja cláusula
permissiva no contrato de adesão. Recurso conhecido e provido.
(STJ. REsp 492.777⁄RS, Relator
o Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ de 1º⁄9⁄2003)
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. APROPRIAÇÃO, PELO BANCO DEPOSITÁRIO, DE SALÁRIO DE
CORRENTISTA, A TÍTULO DE COMPENSAÇAO DE DÍVIDA. IMPOSSIBILIDADE. CPC,
ART. 649, IV. RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA DE FATO E
INTERPRETAÇAO DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. SÚMULAS NS.05 E 07 - STJ. I. A
controvérsia acerca do teor do contrato de empréstimo e da situação fática que
envolveu o dano moral encontra, em sede especial, o óbice das Súmulas ns. 5 e 7
do STJ. II. Não pode o banco se valer da apropriação de salário do cliente
depositado em sua conta corrente, como forma de compensar-se da dívida deste em
face de contrato de empréstimo inadimplido, eis que a remuneração, por ter
caráter alimentar, é imune a constrições dessa espécie, ao teor do disposto no
art. 649, IV, da lei adjetiva civil, por analogia corretamente aplicado à espécie
pelo Tribunal a quo. III. Agravo improvido.
(AgRg no Ag n. 353.291/RS, Rel.
Min. Aldir Passarinho Junior, DJU de 19.11.2001)
RECURSO ESPECIAL.
CONTA-CORRENTE. SALDO DEVEDOR. SALÁRIO. RETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
- Não é lícito ao banco
valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito, pelo
empregador, para cobrir saldo devedor de conta corrente. Cabe-lhe obter o
pagamento da dívida em ação judicial.
- Se nem mesmo ao Judiciário é
lícito penhorar salários, não será instituição privada autorizada a fazê-lo.
(REsp 831774/RS, Rel. Ministro
HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/08/2007, DJ 29/10/2007,
p. 221)
CIVIL E PROCESSUAL. DEDUÇÃO DO
SALÁRIO DO CORRENTISTA, A TÍTULO DE COMPENSAÇÃO DE VALORES INADIMPLIDOS DE
CONTRATO DE MÚTUO.
IMPOSSIBILIDADE. CPC,
ART. 649, IV. AGRAVO. IMPROVIMENTO.
I. Inadmissível a apropriação,
pelo banco credor, de salário do correntista, como forma de compensação de
parcelas inadimplidas de contrato de mútuo, ante o óbice do art. 649, V, da lei
adjetiva civil.
II. Precedentes do STJ.
III. Agravo improvido.
(STJ, 4ª Turma, AgR-AG n. 514.899/DF, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJU de 16.02.2004)
DIREITO BANCÁRIO E PROCESSUAL
CIVIL. CONTA-CORRENTE. SALDO DEVEDOR. SALÁRIO. RETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DANO
MORAL CONFIGURADO. - Não se confunde o desconto em folha para pagamento de
empréstimo garantido por margem salarial consignável, prática que encontra
amparo em legislação específica, com a hipótese desses autos, onde houve
desconto integral do salário depositado em conta corrente, para a satisfação de
mútuo comum. - Não é lícito ao banco valer-se do salário do correntista, que
lhe é confiado em depósito, pelo empregador, para cobrir saldo devedor de conta
corrente. Cabe-lhe obter o pagamento da dívida em ação judicial. Se nem mesmo
ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será a instituição privada
autorizada a fazê-lo. - Ainda que expressamente ajustada, a retenção integral
do salário de correntista com o propósito de honrar débito deste com a instituição
bancária enseja a reparação moral. Precedentes. Recurso Especial provido.
(STJ - REsp: 1021578 SP
2008/0004832-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento:
16/12/2008, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/06/2009)
O STJ também destaca que o procedimento adotado
pela instituição financeira, a fim de satisfazer crédito oriundo de contrato de
empréstimo, deve ser obtido por meio de cobrança judicial, jamais podendo ser
penhorado diretamente da conta corrente do devedor. Ora, se nem mesmo ao
Judiciário é lícito penhorar salários, menos ainda instituições privadas têm
autorização para tanto.
E, ainda que houvesse expressa
previsão no contrato celebrado entre as partes quanto à possibilidade de o
banco reter todo o salário, tal cláusula seria ilegal, diante da característica
de impenhorabilidade e caráter alimentar do crédito, fixados pelo nosso
ordenamento jurídico.
Pelo exposto, se as
instituições financeiras assim agirem, deverão ser responsabilizadas pelos
danos causados aos consumidores, devendo indenizá-los, conforme o caso, nas
esferas moral e patrimonial, sem necessidade de constatação de culpa, dada a
responsabilidade objetiva insculpida nos contratos de consumo.
Fonte:https://larissatrigo.jusbrasil.com.br/artigos/118193776/retencao-indevida-de-salarios-dos-consumidores-pelos-bancos-pratica-ilegal